O olhar estratégico sobre a biodiversidade nas fronteiras da região Norte do Brasil

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Muitos pesquisadores já tentaram calcular qual o tal valor da “floresta em pé”*. Em contrapartida, para “monetizar” a região Norte do Brasil, principalmente quando se fala na Amazônia, também é necessário considerar outras variáveis nessa conta, como quanto vale a floresta em pé para as comunidades que vivem na região. Pela simples garantia de ter água limpa para consumo e para produção de peixes e terras cultiváveis.

Há uma série de atividades predatórias que têm se desenvolvido – ao longo dos anos – na região Norte, em toda a extensão da Pan-Amazônia. Os debates concentram-se nas formas de combater o crime organizado (garimpos ilegais, tráfico, trabalho escravo, organizações criminosas, desmatamento, agricultura e pecuária predatórios), mas tem evoluído à medida que a população, organizações sem fins lucrativos e iniciativa privada tem enxergado além, com olhar voltado para o futuro.
Enquanto os órgãos de segurança pública tentam combater tais crimes, há uma série de pessoas empenhadas em criar oportunidades e agregar ainda mais valor à floresta em pé, seja na forma de monetização ou conservação.
Um desses exemplos é o trabalho desenvolvido pelo Instituto Piagaçu (IPi), uma associação civil de direito privado, sem fins lucrativos e de caráter sócio-ambientalista, que há quase 20 anos tem apoiado a comunidade local a desenvolver pesquisas e ações para a sustentabilidade da população rural e urbana na Amazônia. Fabrício Hernani Tinto, Engenheiro florestal no Instituto, comentou que gerar renda e agregar valor aos produtos da floresta tem sido a tônica dos trabalhos desenvolvidos na região, em uma extensão que hoje alcança 11 municípios do estado do Amazonas e abrange 90 famílias. “Ano passado estávamos trabalhando com 16 produtores. Agora em fevereiro já vamos aumentar este número para 64 pessoas e temos uma meta de em 2 anos trabalhar com 150 produtores com certificação de produção orgânica”.
Fabricio também explica que, hoje, o principal produto é o cacau. Mas, há novas frentes de comercialização da castanha e do murumuru, palmeira amazônica muito utilizada em cosméticos.

Secagem das amêndoas do cacau. Ao fundo, o Rio Madeira.
Foto: NAKAU

Eduardo Trevisan, Gerente de Projetos da ONG Imaflora, ressaltou que há startups e interações com as universidades na busca por novos produtos da floresta, mas que o cacau ocupa lugar importante em toda a cadeia produtiva. “Na Amazônia tem muitas áreas que já foram desmatadas, então há trabalhos de recuperação dessas áreas e, além de ser um produto de grande comercialização, o cacau é uma das principais ferramentas para restaurar essas áreas já degradadas”. Em entrevista, Eduardo também abordou alguns gargalos das atividades desenvolvidas na região. “Temos algumas questões a melhorar, como a logística para chegar nas comunidades, para elas acessarem os serviços e para escoar os produtos. Também temos as atividades ilegais e a dificuldade de fiscalização”.

Luciano Stremel Barros, Presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF), endossa as oportunidades que a região apresenta: “Importante para o desenvolvimento da região norte é conhecer sistematicamente o território, desenvolver políticas que valorizem os saberes tradicionais e que possam de forma sustentável fazer florescer toda a potencialidade que a maior floresta do planeta tem a oferecer estando em pé e preservada. O Brasil tem toda condição de liderar projetos de desenvolvimento sustentável na Pan-Amazônia, que é repleta de oportunidades que vão da produção – que possa ter selo de Denominação de Origem – às atividades ligadas à distribuição destes produtos por meio do Caribe, e, ainda, alavancar o turismo regional”.

A entrevista em vídeo com o Gerente de Projetos da ONG Imaflora, Eduardo Trevisan, está disponível neste link, no canal do Youtube do IDESF.

Curso de manejo e beneficiamento primário do cacau na comunidade Missão, em Tefé (AM).
Foto: Fabrício Hernani Tinto
Em São Félix do Xingu, frente de trabalho da Associação das Mulheres Produtoras de Polpas de Frutas, organização apoiada pelo Imaflora.
Foto: Imaflora
Fabrício (de óculos e camiseta azul), em reunião com um grupo de produtores de cacau orgânico de Urucurituba.
Foto: Fabrício Hernani Tinto
Comunidade Missão, em Tefé, cidade no rio Solimões – registro de um curso de manejo e beneficiamento de cacau.
Foto: Fabrício Hernani Tinto

*O conceito de “floresta em pé” remonta a reflexões amplamente abordadas pela Geógrafa Bertha Koiffmann Becker (1930-2013), cuja abordagem relacionada ao desenvolvimento sustentável da Amazônia era sempre citada como o valor da “floresta em pé” (muito maior do que a “floresta deitada”). Becker dizia que manter a floresta em pé e atribuir ainda mais valor a ela reside na abertura a novas oportunidades e interações, de forma a utilizar este potencial sem destruí-lo e distribuindo os lucros obtidos com a produção não predatória.

Texto: Eloiza Dal Pozzo

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