A franca evolução das free shops nas fronteiras brasileiras

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João Correa, empresário, proprietário de loja franca em Barra do Quaraí (RS) Fotos: Divulgação

 

Forte competitividade das lojas do outro lado da fronteira, adequação à rigorosa legislação e exigência de lastro financeiro para colocar o negócio em funcionamento. Grandes barreiras que dificultavam a implementação de lojas francas, esses entraves aos poucos estão sendo vencidos e as free shops começam a ganhar o cenário na região fronteiriça do Brasil.

O país tem, atualmente, 12 lojas abertas e três em processo de abertura, segundo registros da Receita Federal e das receitas estaduais. Os gaúchos saíram na frente na corrida das duty frees e já contam com 11 lojas em funcionamento, sete delas no município de Uruguaiana, considerando-se a inauguração da Duty Free Americas (DFA), prevista para esta terça-feira (27.10).

A fronteira dos pampas deverá ganhar em breve outras duas free shops, as quais têm documentação em trâmite. O Paraná conta uma loja em operação, inaugurada em maio deste ano, e outra em processo de abertura, ambas em Foz do Iguaçu.

A instalação das lojas francas em municípios de fronteira caracterizados como cidades gêmeas foi autorizada pela lei 12.723 ainda em 2012, mas a regulamentação e modelagem para este gênero de estabelecimento comercial só veio em 2018, com a instrução normativa 1799/18, da Receita Federal. O rigor nas exigências demandou critério na adequação e só em meados do ano passado as primeiras unidades entraram em funcionamento.

“A lei é justa e correta, mas é engessada entre outros fatores pela limitação na compra de produtos”, avalia o empresário João Correa, proprietário da primeira free shop aberta no País, no município gaúcho de Barra de Quaraí. Considerando-se o ‘único pobre que abriu free shop no Brasil’, Correa amargou os dissabores de ser pioneiro a calçar as chuteiras das lojas francas (Veja matéria abaixo). Foi obrigado a adequar-se às mudanças das regras do jogo, entre elas a elevação da exigência de patrimônio líquido como condição para a liberação do funcionamento de R$ 1 milhão – valor apontado inicialmente, de modo informal – para os R$ 2 milhões previstos atualmente na legislação.

Se o ritmo de implementação das duty frees já era animador, o fechamento das fronteiras desde março por conta do Covid-19 acelerou o interesse dos empresários no investimento.  É o caso de Foz do Iguaçu, situada na tríplice fronteira com o Paraguai e a Argentina, onde o turismo de compras se mostra um dos pilares mais promissores para a retomada do setor turístico, fortemente abalado pela pandemia. A favor do fortalecimento deste gênero está a possibilidade de maior atração e retenção de turistas, trazendo em sua esteira o desenvolvimento de segmentos complementares de comércio e serviços, tais como hotéis, bares e restaurantes.

Em Foz do Iguaçu, a Sky Duty Free foi a primeira e continua a única loja franca, aberta em maio deste ano. A perspectiva anunciada por lideranças do executivo municipal é de que outras seis estarão em funcionamento até o final de 2020. O grupo panamenho Duty Free Americas (DFA), por exemplo, está em processo para ter a segunda loja até o final do ano.

Entre os grupos que já confirmaram a instalação em Foz também estão a Cell Shop e Duty Free Liberty. Uma das marcas mais conhecidas na venda de eletroeletrônicos de Ciudad del Este, a Cell Shop promete uma loja de dois mil metros quadrados. A SKY Duty Free é outra que já teria confirmado novas lojas no município e o complexo Dreams Park Show chegou até a abrir contratação.

ANÚNCIOS – Anúncios extraoficiais veiculados na mídia desde o final do ano passado indicam o interesse de grupos internacionais e de empresários brasileiros no negócio de Sul a Norte do País. Outros empreendimentos do gênero estão sendo divulgados para as cidades de Guaíra, Barracão e Santo Antônio do Sudoeste (PR) e Dionísio Cerqueira (SC). No Rio Grande do Sul são esperados investimentos em Itaqui, Santana do Livramento, São Borja e outras duas lojas em Porto Xavier.

Mas a evolução do modelo zona franca também pontua nas regiões Centro-Oeste e Norte. O Shopping China, um dos grandes centros de compras de importados nas cidades gêmeas paraguaias de Ciudad del Este e Pedro Juan Caballero, noticiou instalação em Ponta Porã (MS). Outro município sul-mato-grossense com perspectiva de abrigar free shop é Mundo Novo. Além desses, Bonfim (RR) e Guajará-Mirim (RO) estão na mira de investidores do setor.

Enquanto isso, os gaúchos seguem firme na dianteira, com a inauguração de mais uma unidade em Uruguaiana. A Duty Free Americas (DFA) tem área de 835 metros quadrados e é a sétima loja franca do município. E está marcada para 18 de novembro a abertura da primeira loja de Porto Xavier, município que já teve anúncio de outros dois empreendimentos. (Veja mapa abaixo)

A liderança gaúcha pode ser justificada, em parte, pelo fato de o Estado concentrar um terço das cidades gêmeas brasileiras, ou seja, 11 de um total de 33 reconhecidas pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDE) por essa característica. Outro fator é o fato de o estado ter sido um dos primeiros, junto com o Paraná, a decretar a isenção do ICMS para as operações nas lojas francas.

Tecnologia, tributação e concorrência

Entre as grandes reclamações dos empresários do setor estão a adequação ao aparato de controle e a tributação elevada. Nesse sentido, o alto custo do sistema de operação das lojas é considerado grande entrave. O controle rigoroso do fisco sobre a cota permitida de US$ 300 dólares por CPF a cada 30 dias demanda sistemas operacionais específicos, com o registro dos dados do cliente e dos produtos consumidos. Além de ser demorado na boca do caixa, o procedimento requer rede de internet sempre operante, algo difícil para algumas regiões fronteiriças.

No caso de Foz do Iguaçu, outra dificuldade é a concorrência com os preços praticados pelos hermanos paraguaios e argentinos. “As taxas cobradas são absurdas, como os 6% do faturamento para o Fundaf (Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização da Receita Federal). Somando-se tudo, os tributos chegam a abarcar aproximadamente 20% sobre o faturamento, um custo que o empresário paraguaio não tem e, portanto, não precisa repassar no preço dos produtos”, lamenta o empresário iguaçuense Derseu De Paula, um dos grandes incentivadores do gênero loja franca na região. Em semelhante condição está Santana do Livramento (RS), fronteira seca com Rivera, onde além dos custos habituais, os empresários enfrentam concorrência acirrada das lojas uruguaias.

De Paula participou de audiência pública realizada na Câmara dos Deputados ano passado, com a presença de prefeitos das cidades gêmeas brasileiras, para debater a regulamentação das free shops. “O impacto da pandemia mudou o panorama em relação às lojas francas em Foz do Iguaçu. O fechamento das fronteiras fez os empresários repensarem e buscarem consultorias para avaliar melhor a probabilidade de instalação, pois muitos ficaram impossibilitados de movimentar seus negócios no Paraguai”, contextualiza.

Se por um lado têm competição acirrada, por outro as cidades gêmeas com coirmãs de potencial comercial forte têm o atrativo da soma de cotas. Aos US$ 300 estabelecidos para as compras no lado brasileiro, somam-se os US$ 500 permitidos para o lado estrangeiro, valor que os investidores esperam estender também para as lojas em território nacional.

Se bem explorado, esse fator pode fazer a diferença para mais e não para menos, uma vez que serve de atrativo para consumidores de mais alto poder aquisitivo. Justamente aqueles que estão dispostos a bancar o acesso a produtos de qualidade, com comodidade, conforto e conveniência, conceitos que cabem nos padrões duty free. “Se tivermos lojas com produtos variados podemos competir, mesmo vendendo um pouco mais caro, porque estaríamos apostando na comodidade que o Paraguai não oferece”, avalia Derseu de Paula, referindo-se à Foz do Iguaçu.

Para o presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF), Luciano Stremel Barros, a proposta das duty frees atende aos anseios das comunidades fronteiriças, uma vez que representa não só a possibilidade de geração de empregos diretos, mas de desenvolvimento econômico e social. “As lojas francas têm potencial para serem grande alavanca de desenvolvimento das áreas de fronteira. São atividades legais que geram emprego, renda e fomentam as economias formais nas cidades gêmeas do Brasil”.

 

O preço do pioneirismo

Quando a legislação brasileira autorizou a instalação das lojas francas, em 2012, o olho do empresário João Correa, de Barra do Quaraí (RS), brilhou. Depois de enfrentar forte crise nos anos 1990 e somando um histórico que incluí atuação como camelô na rodoviária de Porto Alegre, Correa viu saltar mais uma vez sua veia empreendedora e assumiu o desafio de encarar o negócio.

O primeiro ato de coragem da família, que assumiu os riscos junto, foi fechar as três lojas mantidas então para formar o capital exigido como lastro do negócio e, também, como conta o empresário, porque “a Receita não aceitava CNPj antigo”. O que ele não contava era que a regulamentação viesse somente cinco anos depois. “Somos sonhadores e, desde que foi anunciada a possibilidade, acreditamos no negócio”.

Até o sonho se concretizar, a família descobriu o preço de estar na dianteira de um segmento em formatação. Os grandes entraves apontados pelos empresários atualmente, tais como as exigências legais de capital e o rigoroso sistema de controle online, foram amargados pelo empresário por longos meses até serem definidos na legislação. “Paguei aluguel por um ano e meio antes de abrir a loja”, lamenta Correa.

Outro preço pago pelo pioneirismo foi a inexistência de produtos que atendessem à demanda do fisco, tal como o sistema de informática. “Não havia (sistema) no mercado, tivemos que buscar as empresas e desenvolver a partir das exigências da Receita”.

Vencidos os longos anos e as requisições legais, a Empório Duty Free entrou em operação em julho do ano passado, sendo o primeiro free shop aberto no Brasil a partir da legislação que beneficia as cidades gêmeas. Apesar do porte do investimento, que requer capital mínimo de R$ 2 milhões, Correa se considera um ‘pequeno empresário’. “Sou o único pobre que abriu free shop no Brasil”, brinca.

A maior dificuldade apontada atualmente é a restrição de compra estabelecida. “Meu radar de importação semestral é limitado. Para operar sem limite preciso ter US$ 150 mil em caixa”, lamenta. Mesmo não concordando com a limitação, no geral o empresário considera a legislação “correta e justa”.

A concorrência com os free shops do Uruguai é outro incômodo. “Estamos sujeitos à cota de 12 litros de bebidas por cliente. Só que ele (cliente) vai até o Uruguai, compra mais e passa clandestinamente”, afirma.

Porém, nenhuma dessas questões abala o otimismo do empresário. “Tem que ter paciência porque o sistema é lento, demora para emitir nota, tem que pedir CPF e endereço do cliente. Mas é o melhor investimento, o melhor negócio. Depois que acabar a pandemia, vai ser um sucesso”, acredita.  Para Correa, o modelo vai vitalizar as regiões fronteiriças. “Por muitos anos a fronteira esteve esquecida. A loja franca contribui para terminar com o contrabando. Então, só traz coisas boas”.

Rosane Amadori/Comunicação IDESF/comunicacao@idesf.org.br

Gráficos: Frank Cedeño

 

 

 

 

 

 

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