Nas cidades de fronteira com a Argentina, “bombas” de combustível ambulantes

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Já era um fenômeno comum nas fronteiras brasileiras. Mas, frente à desvalorização do peso argentino e ainda mais após a última alta nos preços dos combustíveis no Brasil, a procura pelo produto argentino tem aumentado ainda mais. As cidades fronteiriças entre Brasil e Argentina registram intenso movimento. Mas, a superlotação e demora para abastecer nos postos argentinos tem feito brasileiros pensarem em outra forma de consumir o combustível do país vizinho – onde, atualmente, o litro custa em média a metade dos preços praticados no Brasil. Em Puerto Iguazú (fronteira com Foz do Iguaçu/PR), por exemplo, foi necessário estabelecer uma cota máxima de combustível para os brasileiros abastecerem, e, assim, não faltar o produto para os argentinos. Ainda em Puerto Iguazú, no início do mês o portal “La voz de Cataratas” noticiou: “Aduana e combustíveis: táxis, veículos de turismo e ônibus convocam para assembleia e buzinaço”. A reportagem refere-se ao protesto feito por trabalhadores ligados, principalmente, ao setor de transporte turístico, que reivindicam uma bomba exclusiva para eles nos postos e também reclamam pela falta de combustível. A Argentina até tentou dificultar o consumo dos brasileiros quando estabeleceu uma limitação na quantidade de combustível: 15 litros por cliente estrangeiro.
No Brasil, o problema é outro: pessoas estão armazenando combustível argentino em galões, em casas ou galpões, o que representa riscos ambientais e de segurança, além de ser ilegal pela prática de contrabando. Em Dionísio Cerqueira (SC), que faz fronteira seca com a Argentina, moradores ficam posicionados na fronteira com galões cheios de gasolina – são bombas de combustível ambulantes.
Conforme explica o Advogado e Diretor-jurídico do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF), Javert Ribeiro da Fonseca Neto, “a importação de gasolina é proibida, pois tal atividade constitui monopólio da União (arts. 177, II, e 238, da CF e art. 4º, III, da Lei 9.478/1997), salvo prévia e expressa autorização da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Desta forma, caracteriza-se como crime de contrabando”. Javert complementa que abastecer em outro país para consumo próprio é perfeitamente permitido. Mas, o que tem ocorrido, é que os consumidores vão até o país vizinho várias vezes ao dia para abastecer.
O IDESF procurou a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para fazer uma análise de cenário visto o aumento de preço e especulações em relação ao desabastecimento de combustíveis no Brasil e se haveria a possibilidade de mudança de legislação de forma temporária para evitar tal problema. Em nota, a Agência ressaltou que “a importação de hidrocarbonetos (como petróleo e gás) e seus derivados para consumidores finais é vedada pela Constituição Federal e pela Lei 9.478/97. Essas atividades podem ser autorizadas, pela ANP, a “empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País”, mas não há atualmente previsão legal para a importação por pessoas físicas. A autorização, pela ANP, para empresas importadoras/exportadoras, bem como as normas para importação e exportação de combustíveis são reguladas pela Resolução ANP nº 777/2019. Ressaltamos ainda que a utilização pelo consumidor final de gasolina e óleo diesel requer a mistura de etanol anidro e biodiesel à gasolina A e ao diesel A (puros), respectivamente, nos percentuais definidos na legislação brasileira, formando a gasolina C e o diesel B. Essa mistura deve ser feita em instalação de distribuidor de combustíveis líquidos e o produto final deve atender às especificações físico-químicas estabelecidas pela Agência”.

Em Dionísio Cerqueira (SC), pessoas ficam na fronteira com a Argentina para vender combustível e gás de cozinha que vem do país vizinho.
Foto: Receita Federal

Segundo Luciano Stremel Barros, Presidente do IDESF, esta prática já aconteceu em anos anteriores. “É um fenômeno recorrente. No final dos anos 2000, por exemplo, o Centro de Operações Policiais Especiais (COPE) do Paraná desencadeou uma operação que apreendeu diversos pontos clandestinos que funcionavam na cidade de Foz do Iguaçu. Nessa oportunidade, tivemos casos emblemáticos de postos clandestinos instalados na cidade, adulteração de tanques de combustíveis de ônibus, dentre outros”. Luciano destaca a necessidade de revisão de regimentos que permeiam os países do Mercosul. “Este tipo de problema ocorre pelas assimetrias de câmbio, políticas tributárias, de preços e também pela política energética entre os países do Mercosul. Precisamos avançar nos debates e na cooperação e ação conjunta entre os países”.

Além do “trabalho formiguinha” dos vendedores ambulantes de combustíveis, também ocorre o transporte em grandes volumes. A Receita Federal (RF) apreendeu, no dia 7 de março, um caminhão e uma carreta carregados ilegalmente com 52 mil litros de óleo diesel no município de Lindoeste/PR. Segundo informações da RF, os motoristas dos dois veículos afirmaram ter recebido a carga próximo à fronteira com a Argentina, na região de Francisco Beltrão/PR. Um dos condutores informou que teriam sido pagos R$ 4,00 por litro de combustível. Ele não tinha nenhum documento de comprovação da legalidade do produto. Pelos valores praticados no Brasil, os adquirentes poderiam ter um lucro de 40%. Ainda segundo a RF, os motoristas não informaram para onde iria a carga e disseram que seriam informados do destino final durante o trajeto.

Mark Tollemache, Auditor fiscal e Delegado da Receita Federal em Dionísio Cerqueira (SC), destacou a alta periculosidade de dois produtos que tem sido apreendidos com frequência pelos servidores da RF na região de Dionísio Cerqueira: além de combustível, botijões de gás de cozinha (GLP). “Além da quantidade, o que nos chama a atenção é a forma de transporte e de armazenamento desses produtos. Sem dúvidas, um risco não apenas a quem pratica o crime, mas à população que, muitas vezes sem saber, mora próximo desses locais ou acaba se envolvendo em acidentes nas rodovias”. Mark ainda ressaltou os números de apreensões de combustível de 2021 e dos dois primeiros meses de 2022, conforme apresentado abaixo:

2021
1.330 litros de óleo diesel
3.321 litros de gasolina
43 apreensões

2022 (janeiro e fevereiro)
280 litros de óleo diesel
17.422 litros de gasolina (17.000 referente ao caminhão citado)
8 apreensões

“Considerando as apreensões das equipes de Dionísio Cerqueira e de Cascavel/PR, a Receita Federal apreendeu cerca de 70 mil litros de combustível em 2022, apenas nessa região de fronteira com a Argentina, o que representa um aumento de 1400% em relação a 2021”.
Na entrevista, Mark também demonstrou preocupação com relação à possibilidade de novo aumento no preço dos combustíveis devido aos impactos gerados pela guerra na Ucrânia, o que poderá agravar ainda mais tais irregularidades praticadas nas fronteiras com a Argentina.

Texto: Eloiza Dal Pozzo

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